Breves comentários às principais alterações propostas pela Reforma Trabalhista
O texto proposto afirma que, na avaliação dos requisitos para validade da norma coletiva (acordo coletivo e convenção coletiva), o Judiciário deve analisar EXCLUSIVAMENTE os requisitos previstos no artigo 104 do CC.
A reforma trabalhista é uma imposição do atual governo, que começou timidamente com um projeto de poucos artigos e se transformou num monstrengo jurídico consubstanciado, hoje, no substitutivo do PL 6787/16, aprovado pela Câmara e hoje no Senado sob o número PLC 38/17.
O conteúdo do PL, ao contrário do afirmado pela imprensa, desconstrói o Direito do Trabalho como conhecemos, inverte seus princípios, suprime regras favoráveis ao trabalhador, prioriza a norma menos favorável ao empregado, a livre autonomia da vontade, o negociado sobre o legislado (para reduzir direitos trabalhistas), valoriza a imprevisibilidade do trabalho, a liberdade de ajuste, exclui regras protetoras de direito civil e de processo civil ao direito e processo do trabalho.
O presente artigo visa apontar e criticar as principais mudanças previstas pela “reforma trabalhista”, analisando, em cada caso, o aspecto positivo para o trabalhador ou para os operadores do direito e os pontos negativos, pois dos mais de cem artigos modificados ou acrescidos pelo PL, poucos são favoráveis ao trabalhador ou para o processo do trabalho, os demais desfavoráveis.
GRUPO ECONÔMICO e SUCESSÃO
A proposta legislativa amplia formalmente, para fins de solidariedade entre as empresas, os grupos econômicos atingindo também os grupos por coordenação, isto é, a lei não mais limita a responsabilidade solidária apenas aos grupos por subordinação, que são aqueles em que há uma empresa controladora e empresas controladas. Na verdade, a lei apenas está contemplando o que a doutrina e a jurisprudência há muito reconhecem.
Aparentemente a vontade do legislador foi a de excluir as franquias, que também constituem modalidade de grupo horizontal (ou por coordenação), mas sem comunhão de interesses administrativos.
Neste ponto a alteração foi POSITIVA, pois gera maior segurança jurídica reconhecendo os grupos horizontais, salvo as franquias, o que a doutrina e jurisprudência há muito faziam.
Além disso, a proposta exclui a “solidariedade ativa” escondida em parte do atual artigo do CLT “…serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis …”.
A solidariedade ativa caracteriza a figura do empregador único, espelhado no artigo 53 da Exposição de Motivos da CLT, que já não mais se adequava à realidade econômica do Brasil, salvo nos casos de confusão ou promiscuidade entre as empresas.
Outra alteração proposta foi no artigo 448 da CLT, que trata de sucessão de empresários. A nova redação deixa clara a responsabilidade do sucessor pelas dívidas trabalhistas e exonera o sucedido, de forma similar entende a jurisprudência (OJ 261 e OJ 225 da SDI-1 do TST).
TEMPO À DISPOSIÇÃO – ARTIGO 4º, P. 2º, CAPUT
O tempo que o empregado permanece no estabelecimento do patrão por sua escolha, sem trabalhar, em situações excepcionais, de fato não pode ser computado na jornada de trabalho. Entretanto, a redação contida no texto proposto deixa dúvidas acerca de sua interpretação, pois mesmo nas hipóteses contidas em seus incisos, pode haver trabalho de fato e, nesses casos, deve ser computado o tempo. Vamos imaginar que o empregado fique na empresa, após o expediente, por escolha própria para se abrigar do forte temporal e trabalhe durante esse tempo. Neste caso, deve ser remunerado o tempo.
Por outro lado, o texto proposto exclui o tempo de troca de uniforme ou de roupa como tempo à disposição, salvo quando houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa, assim como o tempo de lanche, higiene pessoal. Essa regra é contrária à Súmula 366 do TST.
INTERPRETAÇÃO – JURISPRUDÊNCIA – ARTIGO 8º, P. 2º DA CLT
A expressão jurisprudência é derivada da conjugação dos termos, em latim, jus (Direito) e prudentia (sabedoria), que significa aplicação do direito ao caso concreto. A jurisprudência não se forma por decisões isoladas, mas sim após uma série de decisões no mesmo sentido.
A jurisprudência é o resultado da adequação das hipóteses abstratas previstas em lei aos casos concretos submetidos a julgamento. Concordamos com De Page quando afirma que a “(…) lei é uma roupa feita que serve a todos porque não assenta bem em ninguém (…)” e que “(…) a justiça exige uma roupa sob medida” para cada um que buscá-la. Aí está a finalidade da jurisprudência, harmonizar estas duas extremidades. A lei é geral e abstrata. O direito e a justiça exigem uma apreciação particular. Diante deste paradoxo, compete ao juiz humanizar a lei, adaptando-a a cada caso. Ao decidir uma lide o julgador interpreta a lei impondo sua decisão, julgando com equidade.
O texto proposto afirma que a jurisprudência não pode restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações não previstas em lei.
Entretanto, os costumes, os princípios, valores e postulados, principalmente os Constitucionais, também são fontes formais de direito e algumas vezes superam textos legais. Ademais, muitas vezes as leis se tornam obsoletas e desatualizadas, necessitando de uma interpretação histórico evolutiva ou constitucional. Nesses casos, a jurisprudência age como integradora e atualizadora da legislação. A proposta pode ser considerada, inclusive, inconstitucional, por impedir o controle de leis pelos princípios e valores constitucionais.
Logo, não é crível que haja impedimento da jurisprudência na interpretação e integração da lei, como acontece em todos os ramos do direito.
Por esse motivo, a alteração é NEGATIVA.
INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS COLETIVAS – ARTIGO 8º, P. 3º da CLT
O texto proposto afirma que, na avaliação dos requisitos para validade da norma coletiva (acordo coletivo e convenção coletiva), o Judiciário deve analisar EXCLUSIVAMENTE os requisitos previstos no artigo 104 do CC. Entretanto, há outros vícios que podem tornar nulo o negócio jurídico, como aqueles previstos nos artigos 613 e 614 da CLT, bem como quando contrariar o artigo 611-B constante do presente PL 6787/16, além da nulidade do ajuste coletivo por contrariar normas constitucionais.
Por esse motivo, deve ser suprimido o parágrafo 3º, do artigo 8º do PL.
A alteração proposta é NEGATIVA.
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* Vólia Bomfim Cassar é desembargadora do TRT da 1ª Região.
Fonte: www.migalhas.com.br