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Especialistas elencam desafios para modernização da lei de direitos autorais

PL 2.370/19 atualiza legislação, especialmente quanto ao uso de obras na internet.

Um projeto em trâmite na Câmara dos Deputados busca modernizar a lei dos direitos autorais, especialmente quanto ao uso de obras na internet. Trata-se do PL 2.370/19, que está pronto para votação na Comissão de Cultura, onde a relatora, deputada Maria do Rosário, propôs substitutivo recomendando a aprovação com algumas modificações.

A lei atual data de 1998 (lei 9.610), período incipiente, no país, do acesso à internet e, consequentemente, do consumo e compartilhamento de conteúdo na rede. Assim, é inegável a necessidade de atualização do normativo brasileiro acerca dos direitos autorais sob a perspectiva das novas tecnologias.

Apesar da urgência do tema, o desafio é grande, como apontam especialistas. A advogada Luiza Sato, sócia do escritório ASBZ Advogados, destaca o risco da nova lei já nascer obsoleta, ao não considerar inovações lançadas durante a tramitação: “Hoje vemos soluções mais rápidas e efetivas para a proteção de direitos autorais na internet sendo tomadas nas esferas judicial ou administrativa.”

De acordo com a advogada Vanessa Bastos Augusto de Assis Ribeiro, sócia do escritório Gusmão & Labrunie – Propriedade Intelectual, o PL 2.370/19 ainda precisa amadurecer, “não só em termos de técnica legislativa, mas também para que possa ter mais ressonância em termos de sociedade e estímulo a novos modelos de negócio”. “Temos que pensar em uma lei que atenda a interesses múltiplos – que não só proteja o direito de autor, como fomente os negócios”, afirma.

Também nesta linha é a avaliação do advogado Antonio Curvello, sócio do escritório Daniel Advogados: “A dificuldade principal é o legislador acompanhar estas inovações tecnológicas, sobretudo num ambiente digital sem fronteiras, onde, muitas das vezes, é necessário a cooperação e alinhamento legislativo entre diferentes jurisdições.”

Não à toa, especialistas ponderam que não há uma solução única para divesos problemas, e o debate a ser travado no Legislativo deve passar por questões como: quais os problemas que se busca resolver; quais benefícios a nova legislação promove; quais os impactos de segunda ordem; e até mesmo consequências inesperadas com as mudanças. Pressupõe-se, assim, a importância de um olhar para diversos atores da sociedade.

Direito autoral e difusão da cultura

Um desafio é o de se compatibilizar a proteção do direito autoral com a ampla difusão à cultura: “A tecnologia deve ser vista como uma aliada do artista, devendo a legislação autoral moldar-se à realidade tecnológica do mercado para combater infratores, ao mesmo tempo garantir que o patrimônio artístico-cultural seja disseminado na sociedade”, pondera Curvello.

Soma-se a isso, acrescenta Luiza Sato, a ponderação do princípio da insignificância, “especialmente quanto tratamos do constante e fácil uso, sem a devida autorização, de partes de obras protegidas pela população sem fins lucrativos”, além do desafio da fiscalização e aplicação da lei de direitos autorais no mundo digital.

Uma questão relevante é levantada por Vanessa Ribeiro: a importância de os legisladores não fecharem os olhos para as particularidades brasileiras, o que inclui considerar que o Brasil tem um passado recente de ditadura militar, de modo que as novas normativas não representem risco à jovem democracia. “Talvez, olhar menos para o modelo europeu, que tem uma realidade de sociedade diferente, e entender o que funciona para a sociedade brasileira, os empresários e os autores do país”, pondera.

Responsabilização de provedores

Entre as principais modificações previstas na proposta legislativa é a possibilidade de responsabilidade solidária do provedor de internet caso não remova conteúdo que viole direitos autorais após notificação do titular dos direitos.

“A tendência hoje é que se espere um papel mais ativo e uma maior responsabilidade das compartilhadores de conteúdo”, explica Antonio Curvello. “O principal desafio na responsabilização das plataformas digitais é criar mecanismos efetivos que combatam infrações autorais, porém, garantir, ao mesmo tempo, que a liberdade de expressão, valor este fundamental em qualquer regime democrático, seja preservada, e que o ônus sobre as plataformas digitais não seja um obstáculo para os seus respectivos desenvolvimentos e viabilidade econômica.”

O advogado lembra, no entanto, que apesar do “silêncio legislativo”, as Cortes brasileiras já vêm aplicando, em sua maioria significativa, a responsabilidade do provedor, caso ele seja notificado da infração e permanece inerte.

 

Luiza Sato esclarece que a previsão do PL veio suprir a lacuna do marco civil da internet, que deixou para legislação específica regular a responsabilidade do provedor por infrações a direitos de autor ou a direitos conexos. Contudo, prossegue, “poderia haver prejuízos relacionados à liberdade de expressão e criação de entraves para negócios desenvolvidos na internet”.

“Conseguimos verificar um movimento internacional para que os provedores sejam sim solidariamente responsáveis nos termos do PL 2.370/19, especialmente considerando a recente Diretiva Europeia de Direitos Autorais, de acordo com a qual os provedores devem fazer o controle de conteúdo protegidos por direitos autorais em seus serviços, podendo ser responsabilizados no caso da veiculação não autorizada pelo detentor do direito de autor.

Ainda, mesmo nos EUA, hoje vem sendo reavaliado o Digital Millenium Copyright Act, legislação que cria um verdadeiro porto seguro para provedores quanto a ilícitos envolvendo direitos autorais decorrentes da propagação de material protegido sem autorização de seus detentores.”

Para Curvello, a responsabilidade solidária do provedor de internet deve ser de difícil implementação para as plataformas, ou trazer um ônus econômico excessivo para a continuação das suas atividades.

“A pergunta a se fazer é se a responsabilidade somente neste caso é suficiente para promover a proteção dos direitos autorais. Recentemente, a nova Diretiva da União Europeia sobre o Direito de Autor foi além e abriu a possibilidade, em seu artigo 17, de se responsabilizar algumas plataformas digitais por conteúdo infratores, independentemente de notificação prévia do titular da obra. Ou seja, as plataformas deverão agora ter um papel mais ativo no combate à violação de direitos autorais, e não somente reativo. Como se sabe, esta modificação de paradigma causou uma reação de vários setores da indústria, mas também da sociedade civil. Agora, é esperar a sua implementação em nível nacional dos Estados-membros e ver os seus desdobramentos práticos.”

Em verdade, o risco de insegurança jurídica, as dificuldades de se colocar em prática esse papel ativo e, consequentemente, levar a um excessivo bloqueio de conteúdos são pontos que chamam a atenção dos provedores.

Vale lembrar que o próprio cenário governamental pode impor dúvidas quanto à aplicação da novel legislação, como por exemplo, qual seria o ministério responsável pela área. Se o relatório/substitutivo da deputada Maria do Rosário estivesse vigente nos dias de hoje, o ministério do Turismo seria o responsavel.

“Notice and notice”

O PL também prevê (§§ 6 e 7 do artigo 88-B) situação de exclusão da responsabilidade do provedor da internet: a chamada “notice and notice”, uma “opção interessante, utilizada no Canadá”, avalia Antonio Curvello. O advogado elucida:

“No notice and notice o provedor comunica ao usuário que publicou o conteúdo sobre a reinvindicação de direito autoral de terceiro, cabendo ao usuário escolher se o conteúdo poderá ser excluído pelo provedor ou não. Caso o usuário entenda que a sua publicação não atinge direitos de terceiros, ele pode optar por manter o conteúdo disponível. Nesta hipótese, assume a responsabilidade integral por uma possível infração, eximindo totalmente a plataforma.”

Amplo espectro

Um ponto salientado pela advogada Vanessa Ribeiro, e que deve entrar no radar dos legisladores, é a própria ressignificação do que constitui a autoria de uma obra.

“Atualmente, falamos de obras criadas por inteligência artificial, ou modelos preditivos, e o quanto seria lícito ou não usar isso. É preciso um conceito que consiga abarcar o amanhã. Será que ainda faz sentido a ideia de obra como criação do espírito humano? Devemos refletir o que temos de entendimento social para isso, e o que queremos. As legislações não têm que ter o condão de frear novos modelos de negócio.”

Há poucos anos, por exemplo, uma selfie foi o estopim para um enorme debate nos EUA. Naruto, um macaco, encontrou uma câmera que estava sob um tripé, sorriu e apertou o botão. A inusitada selfie levou a uma disputa entre o fotógrafo (dono da câmera) e a organização Peta – Pessoas pelo Tratamento Ético de Animais, que buscou atribuir ao animal direitos sobre a foto que viralizou na internet. Uma Corte dos EUA rejeitou o pedido da ONG.

“São vários os temas que estão interrelacionados à forma como se enxerga a autoria e, consequentemente, à resposta para o Direito Autoral. O país tem cérebros muitos bons para pensarem em algo que sirva para o Brasil e que não seja uma mera cópia da legislação exterior”, conclui Vanessa.

De fato, a avaliação dos estudiosos é de que o Brasil tem plenas condições de seguir um caminho próprio – até porque as normativas estrangeiras ainda passam por amadurecimento e ainda é cedo para se afirmar como serão recebidas na prática.

  • Confira abaixo a manifestação do Google acerca dos debates.
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“O Google é uma empresa de tecnologia e estamos abertos a colaborar nas discussões sobre a diversidade e a importância das empresas que atuam no ambiente digital. Seguimos otimistas sobre o poder da tecnologia inovadora e trabalhando em prol do ecossistema digital, apoiando a liberdade de expressão, a colaboração e a inovação.

Acreditamos no valor social do conhecimento e do conteúdo produzido e distribuído pela comunidade e por veículos de jornalismo profissional nas nossas plataformas. Quando criadores de conteúdo e editores obtêm sucesso, nós obtemos sucesso. Por isso, contribuímos ativamente para que o setor de tecnologia possa continuar a impulsionar o desenvolvimento econômico, cultural e social do país. Somente em 2018, as ferramentas do Google geraram R$ 41 bilhões em impacto econômico no Brasil, beneficiando mais de 60 mil empresas, editores de conteúdo e organizações não-governamentais (ONGs) dos mais diversos tamanhos.”

Por: Redação do Migalhas

Fonte: www.migalhas.com.br

 

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